terça-feira, 16 de novembro de 2010


Bunda mole é?

Belinha acordou às seis, arrumou as crianças, levou-as para o colégio e voltou para casa a tempo de dar um beijo

burocrático em Artur, o marido, e de trocarem cheques, afazeres e reclamações.

Fez um supermercado rápido, brigou com a empregada que manchou seu vestido de seda,

saiu como sempre apressada, levou uma multa por estar dirigindo com o celular no ouvido e

uma advertência por ter parado em lugar proibido, enquanto ia, por um minuto, ao caixa automático tirar dinheiro.

No caminho do trabalho batucava ansiedade no volante, num congestionamento monstro, e pensava

quando teria tempo de fazer a unha e pintar o cabelo antes que se transformasse numa mulher grisalha.

Chegando ao escritório, foi quase atropelada por uma gata escultural que, segundo soube,

era a nova contratada da empresa para o cargo que ela, Belinha, fez de tudo para pegar,

mas que, apesar do currículo excelente e de seus anos de experiência e dedicação, não conseguiu.

Pensou se abdômen definido, contaria ponto, mas logo esqueceu a gata,

porque no meio de uma reunião ligaram do colégio de Clarinha, sua filha mais nova,

dizendo que ela estava com dor de ouvido e febre. Tentou em vão achar o marido e, como não conseguiu,

resolveu ela mesma ir até o colégio, depois do encontro com o novo cliente, que se revelou um chato, neurótico,

desconfiado e com quem teria que lidar nos próximos meses.

Saiu esbaforida e encontrou seu carro com pneu furado.

Pensou em tudo que ainda ia ter que fazer antes de fechar os olhos e sonhar com um mundo melhor.

Abandonou a droga do carro avariado, pegou um táxi e as crianças. Quando chegou em casa, descobriu que

tinha deixado a pasta com o relatório que precisava ler para o dia seguinte no escritório!

Telefonou para o celular do marido com a esperança que ele pudesse pegar os malditos papéis na empresa,

mas a porcaria continuava fora de área. Conseguiu, depois de vários telefonemas,

que um motoboy lhe trouxesse os documentos. Tomou um banho, deu o jantar para as crianças, fez os deveres com os dispersos e botou os monstrinhos para dormir. Artur chegou puto de uma reunião em São Paulo, reclamando de tudo.

Jantaram em silêncio. Na cama ela leu metade do relatório e começou a cambalear de sono.

Artur a acordou com tesão, a fim de jogo.

Como aqueles momentos estavam cada vez mais raros no casamento deles, ela resolveu fazer um último esforço de

reportagem e transar. Deram uma meio rápida, meio mais ou menos,e, quando estava quase pegando no sono de novo,sentiu uma apalpadinha no seu traseiro com o seguinte comentário:

- Tá ficando com a bundinha mole, Belinha...deixa de preguiça e começa a se cuidar..

Belinha olhou para o abajur de metal e se imaginou martelando a cabeça de Artur até ver seus miolos espalhados pelo travesseiro!

Depois se viu pulando sobre o tórax dele até quebrar todas as costelas!

Com um alicate de unha arrancou um a um todos os seus dentes e depois deu-lhe um chute tão brutal no saco, que voou espermatozóide para todos os lados!

Em seguida usou a técnica que aprendeu num livro de auto-ajuda: como controlar as emoções negativas.

Respirou três vezes profundamente, mentalizando a cor azul, e ponderou.

Não ia valer a pena, não estamos nos EUA, não conseguiria uma advogada feminista caríssima que fizesse sua defesa alegando que assassinou o marido cega de tensão pré-menstrual.

..Resolveu agir com sabedoria.

No dia seguinte, não levou as crianças ao colégio, não fez um supermercado rápido, nem brigou com a empregada.

Foi para uma academia e malhou duas horas. De lá foi para o cabeleireiro pintar os cabelos de acaju e as unhas de vermelho.

Ligou para o cliente novo insuportável e disse tudo que achava dele, da mulher dele e do projeto dele. E aguardou os resultados

da sua péssima conduta, fazendo uma massagem estética que jura eliminar, em dez sessões, a gordura localizada. Enquanto

se hospedava num spa, ouviu o marido desesperado tentar localiza-lá pelo celular e descobrir por que ela havia sumido.

Pacientemente não atendeu. E, como vingança é um prato que se come frio, mandou um recado lacônico para a

caixa postal dele: - A bunda ainda está mole. Só volto quando estiver dura. Um beijo da preguiçosa...

(Extraído do livro: Este sexo é feminino / Patrícia Travassos).

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