quarta-feira, 2 de março de 2011

EU, MODO DE USAR


Esse texto da Martha Medeiros é um dos meus favoritos...
Identifico-me com ele porque é como se ela tivesse escrito o que eu sempre quiz dizer e não sabia como!
Ele traduz exatamente o como eu acho que qualquer mulher deve ser "usada" em um relacionamento. rsrsrs... Sempre que leio crônicas, textos ou poemas da Martha (quanta intimidade! rsrs...), penso que ela tá falando diretamente pra mim ou o que eu queria dizer sobre algum assunto...
É impressionante! É gostoso demais ler Martha Medeiros!
Lê aí pra ver... Espero que você goste também e se torne fã dessa autora, assim como eu!
Beijos,
Paty


© Martha Medeiros - EU, MODO DE USAR:


"eu,
modo de usar:

pode invadir ou chegar com delicadeza
mas não tão devagar que me faça dormir
não grite comigo tenho o péssimo hábito de revidar
acordo pela manhã com ótimo humor
mas permita que eu escove os dentes primeiro
toque muito em mim, principalmente nos cabelos
e minta sobre a minha nocauteante beleza
tenho vida própria, me faça sentir saudades
conte umas coisas que me façam rir
mas não conte piadas
nem seja preconceituoso, não perca tempo
cultivando este tipo de herança de seus pais
viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim
para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude
eu saio em conta, você não gastará muito comigo
acredite nas verdades que digo e nas mentiras
elas serão raras e sempre por uma boa causa
respeite meu choro, me deixe sozinha
só volte quando eu chamar, e não me obedeça sempre
que eu também gosto de ser contrariada
(então fique comigo quando eu chorar, combinado)
seja mais forte que eu e menos altruísta
não se vista tão bem, gosto de camisas pra fora da calça
gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço
reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto
boca, cabelo, os pelos no peito e um joelho esfolado
você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade
leia, escolha seus próprios livros, releia-os
odeie a vida doméstica e os agitos noturnos
seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate
que isso é coisa de gente triste
não seja escravo da televisão, nem xiíta contra
nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai
invente um papel pra você que ainda não tenha sido
preenchido
e o inverta às vezes, me enlouqueça uma vez por mês
mas me faça uma louca boa, uma louca que ache graça
e tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca
goste de música e de sexo, goste de um esporte não
muito banal
não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa
apresentar sua familia, isso a gente vê depois, se calhar
deixe eu dirigir seu carro, aquele carro que você adora
quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras
mulheres
tenha amigos e digam muita bobagem juntos
não me conte seus segredos, me faça massagem nas costas
não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções,
me rapte
se nada disso funcionar
experimente me amar"


(Texto 62 do livro "Cartas Extraviadas e outros Poemas" de Martha Medeiros, p.82-84)

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