Espero que vocês gostem assim como eu!
Beijos,
Paty
FORMIGUINHAZ
Elas estão por toda parte. Percorrem o teclado do meu computador, circulando por jotas, efes e arrobas. Somem entre as teclas do alfabeto, reaparecem nas teclas de pontuação. Viraram assunto.
Formigas.Tão pequenas que eu diria que são poeiras caminhantes. Assentam-se na cozinha, principalmente. Gostam de Trakinas de morango, bolo de chocolate, biscoito amanteigado e croissant doce. Pingos de coca-cola sobre a mesa fazem a festa das mais infantis, que descem pelas paredes em fila indiana, como se estivessem na pré-escola, rumo ao recreio. Eu limpo, varro, escondo, mas elas acham. São formigas de vanguarda, minimalistas, desaparecem no underground. Algumas, diabéticas, não comem açúcar: ainda ontem atacaram um pacote de salgadinhos finíssimos.
Já as surpreendi entre os livros. Preferem literatura nacional, talvez saibam ler. Mas duas ou três andam cobiçando um exemplar de poemas de Mario Benedetti escrito na língua natal do poeta, o castelhano.Viajadas, minhas formigas, e líricas.
Tenho uma foto em cima da mesa de trabalho, eu e mais duas amigas numa festa, estamos alegres e, sendo verão, decotadas. Uma formiguinha subiu pelo suporte que segurava a foto, farejou a foto (é uma formiga das cachorras) e adentrou um decote, que não era o meu, mas da amiga que estava de vermelho. Formigas reconhecem cores, volumes e cheiros.
E pensam. As formigas aqui de casa pensam e pensam rápido. Se estou assassinando uma ignorante que tenta entrar no microondas, a outra, lá na outra ponta, corre. São formigas atletas, as minhas. Dão no pé e avisam entre si: sujou! Não se falam com a boca, mas com os olhos amedrontados, meio vesgos. E escapam.
Vaidosas, minhas formiguinhas. Já as surpreendi lendo um rótulo em francês de um creme da Lancôme: pediram que eu traduzisse Soin Régénérant Visible. Mandei elas escolherem um hidratante nacional e que não me amolassem.
Saradas, às vezes enfrentam um carpete, difícil de caminhar, mas que deixa suas perninhas rijas, como se jogassem vôlei de praia. Pelo carpete vão até o banheiro das crianças, mas se arrependem, se afogam, totalmente despreparadas para o mundo selvagem. Observo-as sumindo pelo ralo, fazendo-se de mortas no rejunte, entre dois azulejos escorregadios. Corajosas, porém amadoras.
Formigas experientes não saem da cozinha, respeitam a geladeira e dormem junto à cesta de pães, onde sempre se descola um farelo. Circundam a lata de lixo e dão plantão na janela, talvez até assoviem pras vizinhas: venham, hoje tem geléia!
Quase todas são desleais, subornam os dedetizadores e conhecem algumas táticas do MST: invadem e se instalam, os donos que se danem. Imagino o que não fazem num MacDonald's. Algumas, atraídas por alguma gota de suco de uva, são recolhidas com um perfex molhado e passam dessa para uma pior, mas reproduzem-se rápido: são férteis, e sendo tantas, já não luto mais.
Martha Medeiros
(Crônica: Formiguinhaz escrita em Abril de 2001 - retirada do Livro NON-STOP: Crônicas do Cotidiano, p.196- 198. L&PM Pocket).